Ah, eu na Toscana! Bem ali no meio daquelas paisagens
estonteantes que se vê em fotos e filmes:
um tapete verde com fundo infinito, uma casa de pedra com fumaça saindo
pela chaminé, um cipreste ao lado. Só que no inverno.
Vim para ficar vários dias. Disposta a experimentar uma
nova forma de viajar que descobri pela internet. Sem precisar pagar por casa e
comida. Como? Em troca, a gente trabalha. E eu vim como dog-sitter. Dog o quê?
Sim, cuidar de um cachorro, enquanto os donos estão fora. E me deparo logo com
uma enorme cachorra preta (Schnauzer gigante).
Menos mal que a Vinnie parece um
bebezão. Eu a mando sentar, ficar ao meu lado (em inglês, como ouvi a dona
fazer) e ela obedece. Tem também uma gatinha srd (sem raça definida) chamada
Frederica. No início, um tanto arredia, logo toda derretida. Não posso pegá-la
no colo porque a Vinnie tem ciúmes. Respeito sua manifestação de contrariedade
porque se bobear ela me derruba. E, cadê o sol da Toscana?
Pra botarmos o focinho fora de casa,
preciso manta, casaco e luva. Pra ficarmos dentro, só com muito fogo na
lareira. Aí começam meus problemas: pensava que bastasse jornal velho no meio
de uns gravetos, riscar um fósforo, ver as chamas crescerem, jogar pedaços de
lenha em cima. Vi isso quando criança, no interior, os adultos até sopravam as
brasas para reavivar o fogo. Só que, comigo, nada é assim como parece, o modo
fácil está desativado.
Descobri um dos meus poderes de bruxa
(toda mulher tem os seus): sou capaz de extinguir chamas com o olhar. Poderia
trabalhar como voluntária na brigada anti-incêndio. Nem o jornal pega fogo,
fica queimando feito cigarro num halo vermelho que logo desaparece.
Gasto bem umas duas horas de manhã remexendo cinzas,
revirando pedaços encarvoados de lenha, despedaçando jornais. Choro e quase
rezo para que uma última chama minúscula sobreviva. De vez em quando dá certo.
Certo mesmo é que tenho sempre a cara sarapintada de carvão e fedor de fumaça.
Acho que já li um conto infantil parecido com isso.
Saio a passear com a Vinnie e fico juntando galhos secos e
gravetos pela estrada. Depois, coloco-os numa caixa no alpendre, do lado de
fora da cozinha. Vou até a pilha de lenha no pátio, encho um carrinho-de-mão e
deixo ao lado. Se chover, a lenha precisa estar perto e seca para acender a
lareira no dia seguinte. Uma amiga comenta que estou fazendo serviço do século
retrasado. É mesmo. Mas, tem seu charme.
Diferente da Gata Borralheira, não faço por obrigação, mas
porque quis aproveitar a oportunidade de experimentar algo novo. E não preciso
esperar que a fada madrinha me livre dessa. Chance zero de passar por aqui um
príncipe num cavalo branco. Príncipes são jovens, então, chance menor que
zero de suceder que, passando algum, fosse dar atenção a uma Cinderela com mais de 60 anos.
Mas, eu trouxe minha própria carta de alforria. Terminada esta etapa, pego um
trem na estação mais próxima e sigo adiante.
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